sábado, 22 de agosto de 2009

Cidadania e participação

A Construção Partilhada do Poder

O exercício activo da cidadania é algo que não abunda entre nós, sendo a percepção geral de que existe pouca apetência para a participação popular nas tomadas de decisão e gestão do poder. Ainda assim, esta representação carece de fundamento estatístico ou de uma análise mais apurada, na medida em que assistimos, de quando em vez, a fenómenos de mobilização da vontade política, através dos movimentos de cidadãos, da constituição de novos partidos, ou até mesmo através de novos espaços de partilha de opinião, (ainda que a distancia), como seja o caso da blogosfera. O que, em certa medida, contraria a forma como tendemos a representar a mobilização para o exercício político da cidadania (talvez por culpa dos níveis de abstenção em actos eleitorais e referendários).

Para além disso, quando os assuntos ou problemas nos estão mais próximos ou nos dizem imediatamente respeito, como é o caso evidente das políticas locais, há uma maior vontade de participação.

Contudo, é partindo da assunção de que o exercício da cidadania e a participação cívica padecem, entre nós, de alguma inércia, que uma política de envolvimento das populações dever ser pensada.

Não querendo aqui abordar as causas dessa atitude, sabemos que ela assentará numa espécie de quid pro quo em que o poder político, o autarca, fará o favor de cuidar dos problemas das pessoas em troca destas se alhearem desse próprio cuidado. Cabendo ao político ocupar-se desse pesado fardo que é o de gerir a coisa pública, no retiro dos seus gabinetes – pois se uns problemas são demasiadamente complexos e exigem altos conhecimentos técnicos inacessíveis ao comum dos mortais, outros serão tão comezinhos que não devem incomodar a tranquilidade das gentes.

Ora, esta visão da política distante das pessoas e das pessoas distantes das discussões políticas e, sobretudo, do controlo democrático do poder, tem necessariamente de ser alterada, sob pena de falência da própria qualidade da democracia e do sistema de representatividade. Pelo contrário, é precisamente porque a discussão dos problemas – desde o planeamento urbanístico ao ambiente e sustentabilidade, passado pela economia e a cultura – e porque o grau de complexidade com que são compostos aumentou exponencialmente, que se torna premente a participação activa dos cidadãos que, com os seus contributos, podem ajudar não apenas à governação do município como também ao controlo democrático dos poderes e interesses envolvidos.

A história do exercício camarário atravessou várias fases, desde o seu enraizamento de cariz mais directo e popular nos primeiros passos da democracia, até aos modelos mais institucionalizados e afastados das populações. Durante o processo foram-se criando e abandonado diferentes órgãos e gabinetes consultivos ou de apoio ao cidadão, embora sempre numa óptica que não parece ter estimulado o envolvimento efectivo das pessoas, pelo menos de forma continuada. Por isso, mais do que propor a criação de novas estruturas, ou novas gabinetes, é necessário que as existentes funcionem no terreno e se tornem susceptíveis de fazer a política com as pessoas e para as pessoas. O mesmo será dizer que a “proposta pela proposta” não serve os interesses de ninguém e enquanto tal será vazia.

Por conseguinte, não basta haver órgãos de consulta pública, é ainda preciso que o próprio modelo de funcionamento destes órgãos esteja concebido para a presentação e discussão de propostas, assim como devem estar dotados de meios concretos para o fazer.

É neste sentido que o Orçamento Participativo se constitui como um instrumento fundamental para uma gestão transparente, pública e capaz de alargar a participação dos cidadãos nos problemas essenciais do município e, deste modo, o Bloco de Esquerda assume a sua implementação como proposta fundamental a essa alteração do estado das coisas, subjacente à qual se apresenta a exigência de uma afectação de verbas do orçamento camarário para o efeito – pois, sem essa afectação não será credível a sua concretização. E, não dispondo as Juntas de Freguesia de recursos técnicos para concepção e execução de obras, torna-se necessária a criação de um gabinete técnico exclusivamente vocacionado para esse apoio técnico, assim como para a execução das intervenções definidas no orçamento participativo que prioritariamente deverão ser objecto de contrato-programa para execução com as Juntas de Freguesia.

Mais uma vez, é obrigação de quem governa, procurar por todo os meios o envolvimento dos cidadãos na vida do município, e uma forma simples de o fazer será, por exemplo, começar por publicar em locais de fácil acesso e de frequência razoável (paragens e estações de transportes públicos, praças e mercados, entre outros), as cópias ou minutas de documentos que digam respeito a problemas, decisões, planos e projectos, propostas de licenciamento ou loteamento de terrenos, etc., que se revistam de alguma importância para as localidades. Para além de outras razões, poder-se-á assim atingir uma parte significativa da população info-excluída.

Também nesta linha, as chamadas “reuniões descentralizadas”, que constituem boas iniciativas, devem contudo ser efectuadas em horários que permitam a participação de um maior número de pessoas (por exemplo, em horário pós-laboral), caso contrário não passarão de meros exercícios de cosmética ou de pseudo abertura, na medida em que apenas alguns, os sectores mais organizados, se farão representar – à semelhança do que actualmente acontece.

É igualmente sabido que, por lei, os cidadãos podem participar através de actos de consulta pública, dando o seu contributo relativamente a certos assuntos da vida do seu município, como acontece, por exemplo, com a elaboração de regulamentos municipais. Agora, a questão que o Bloco coloca é se se deve equacionar o alargamento de tais períodos de consulta pública, uma vez que a lei apenas determina limites mínimos mas não estabelece limites máximos, sendo estes deixados ao arbítrio das autarquias – A objecção que, por ventura surja, relativamente ao atraso ou perca de tempo, é claramente superada pelos ganhos em cidadania e gestão participada, susceptíveis de tornar as decisões mais discutidas e ponderadas.

O Bloco de Esquerda considera ainda a criação da figura do Provedor do Munícipe, uma peça chave para o exercício activo da cidadania e para a relação de proximidade com o munícipe, uma vez que através dele poderão ser arbitradas eventuais reclamações dos cidadãos e/ou aceleradas resoluções de contencioso com a edilidade.

Em suma, se por um lado as pessoas tendem a alhear-se da vida pública, por outro exige-se, da parte de quem detém o poder, o esforço propedêutico de levar a informação ao cidadão. Não basta ficarmos pela elaboração e publicação de estudos, pareceres ou projectos técnicos em sites ou portais electrónicos, sem nenhuma consecução, é primeiramente necessário que haja uma alteração radical nas práticas habituais que povoam o município, com a introdução de medidas que promovam a consulta, participação e discussão públicas, para além claro da sua realização efectiva.

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Orlando Carvalho, Quarteira, cabeça de lista do Bloco de Esquerda à Assembleia de Freguesia de Quarteira

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